Tito Sena, medalha de ouro na maratona da Paralimpíada, é vascaíno e fã de Dinamite
Terça-feira, 11/09/2012 - 11:59
Os maratonistas Tito Alves de
Sena e Ozivam dos Santos Bonfim finalizam a participação do Brasil nas
Paralimpíadas de Londres. O maior evento esportivo para atletas com deficiência
se encerra hoje, com festa no Estádio Olímpico. A cerimônia terá como destaques
os shows da banda Coldplay, do rapper Jay-Z e da cantora Rihanna. E assim como
ocorreu nas Olimpíadas, o Brasil terá oito minutos no evento para "receber" os
Jogos e a bandeira com os agitos, o símbolo paralímpico.
A participação
brasileira começará com uma batalha do passinho do funk, com dez meninos da
periferia do Rio e cadeirantes ("Não escondemos os problemas do Brasil", disse o
diretor artístico, Cao Hamburger). Entre as personalidades, estarão Herbert
Vianna, cadeirante após acidente de ultraleve, e os Paralamas do Sucesso (vão
cantar "Lourinha Bombril"), e Carlinhos Brown e Thalma de Freitas, que se
reunirão com grupos de dança no palco do Estádio Olímpico. Bailarinos
brasileiros que fazem parte do Royal Ballet, Thiago Soares e Roberta Marquez vão
se apresentar com a também bailarina Fernanda Bianchini, da Associação de Ballet
e Artes para Cegos. Ádria dos Santos e Daniel Dias estarão presentes nessa parte
da festa.
A maratona será disputada em circuito diferente da prova de
Londres que acontece todos os anos. Mas, assim como nas Olimpíadas, será uma
espécie de circuito, passando por pontos turísticos da cidade, como o Big Ben. A
largada e a chegada serão no The Mall, em frente ao Palácio de Buckingham.
Acidentes no trabalho
Inseparáveis desde que fizeram aclimatação
na Espanha, no início de agosto, os brasileiros Tito e Ozivam têm histórias
semelhantes: ambos tiveram de mudar suas vidas após um acidente de trabalho.
Tito, ouro na maratona de Paris, em 2012, teve a mão direita esmagada numa
encaixotadora, em fábrica de bebidas. Ozivam, prata na mesma prova, teve uma
parte do braço esquerdo amputado por uma máquina de sisal.
- Me preparei
para ser ouro, apesar da lesão que tive em Pequim e de um período de treinos
inconstantes desde então - disse Tito, que foi prata no evento chinês mesmo após
ter rompido parcialmente um dos tendões de Aquiles, no km 28. - Corri com muita
dor. Pensei na minha esposa que, um mês antes, havia sofrido um aborto natural.
E quando fui ver, já estava no Ninho de Pássaro. Não tive dúvida, beijei a
aliança e imitei Bebeto, oferecendo a medalha ao meu filho que não nasceu.
Tito é natural de Brasília, mas mora em Goiânia, e queria ser jogador de
futebol. É fã de Roberto Dinamite, torcedor do Vasco, e tentou passar em peneira
do Guaratinguetá.
- Era ponta esquerda e estudava. Mas fui indo para as
festinhas, saidinhas, bebendo um golinho, fumando um cigarrinho. Quando fui ver,
abandonei o futebol. Não parava de beber. Eu achava que a bebida ia acabar e
queria beber tudo. Só fui voltar ao esporte com 22 anos. E nunca mais coloquei
um gole de bebida alcoólica na boca - revelou o atleta, de 45 anos.
Até
que um amigo o chamou para treinar futebol de novo. Só que o preparador físico
acabou lhe levando para as corridas de rua. E na primeira, com mais de 2 mil
participantes, foi o 176º:
- E ganhei uma medalha de participação.
Aquilo me emocionou, a medalha me estimulou.
O acidente com o braço foi
a sua segunda prova de fogo. Ele tinha 36 anos e teve de galgar tudo de novo. Na
época, preparava-se para os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003.
- Foi o momento mais difícil da minha vida. Já competia no atletismo
convencional e achei que tudo tinha acabado - lembra ele, que ficou quatro meses
em recuperação, passou por seis cirurgias, ganhou 12kg (foi a 76kg, hoje tem
59kg) e entrou em depressão.
Ozivam, de 37 anos, também não teve
trajetória fácil. Em Várzea Nova, na Bahia, ele trabalhava para comer e ajudar a
mãe, com 12 filhos:
- Era revoltado pelo fato de não ver alternativa no
lugar onde nasci e me criei. Trabalhava para sobreviver. Me sentia como um
mendigo. Não tinha onde cair morto. E a coisa piorou quando meu pai foi
assassinado. Eu só tinha 19 anos e ainda tinha perdido o braço.
Um dia,
em Várzea Nova, um agente da Polícia Militar lhe chamou para participar de uma
corrida de rua:
- Ele falou que tinha escutado falar de mim no povoado,
mas eu nunca tinha corrido. Um anjo, só pode ser. Cheguei na tal corrida, um
monte de gente se aquecendo e eu achei aquilo muito estranho. O cara colocou o
rifle para cima e deu a largada. Os caras dispararam. Eu atrás. Pensava que
qualquer posição era posição, mas na hora queria ganhar. Logo no início pulei
para terceiro. Doía. Mas segurei até o final. Depois dessa história, não larguei
mais.
Em 2000, Ozivam ganhou uma maratona em Barueri, em São Paulo, e
conseguiu o patrocínio de uma academia:
- Nunca mais voltei para a
Bahia. E olha que a maior parte da minha família ainda mora lá e ainda faz o
mesmo trabalho, com sisal. Hoje, dou graças a Deus que tudo isso aconteceu
comigo porque saí de Jacobina e segui outro caminho. Foi o destino.
Eles
(T46) fazem parte de um grupo com condições de ganhar medalha. Podem fazer jogo
de equipe, mas sabem que, no fim, é cada um por si.
Fonte: O Globo